quarta-feira, 29 de agosto de 2007

.cadência.




E quando, num fim de tarde, batia o vento na areia ela movia-se tão sensual. Era como os corpos que dançam.


Corpos que acompanham os sons e em dança eclodem em substâncias abstratas.


Um baile de máscaras, não sei. Passos cujas vastidões causam-me um furor, um desses como lembrar-se de um sonho no caminho de volta pra casa. Sonho que escapa e de mim é dono quando se mostra aos poucos e ao seu bem querer.


Na minha dança sou areia, se procuro o mar, afogo-me. Se ouço vozes, palavras e incompreensões humanas viro precipício.


Se me acalmo no amor, procuro quem é evidente em mim, e assim sou puro desejo, não me docilizo, assusto e temo.


Teço os saltos cadenciados junto do som que vem dos lábios, encontrarei sua existência por sua sonoridade, que me guia e esguia me toma.


Sou areia tanto minha quanto sua. Ganho nós.


terça-feira, 28 de agosto de 2007

Carta a você


Contarei a você os segredos do mundo, os que cultivei em silêncio e desaguei entre os boêmios.
Já tive sim, outras cores e procuro não me arrepender pelas estamparias quando a brisa bate. Aqui fora faz frio, meu bem. Aqui fora é quente.
Quem seria eu para dizer os caminhos, se tantas vezes optei pela pausa. Questionará se não me fartei da mesmice, mas responderei que no sempre igual é que encontramos o novo que lhe faz surpreender. O fascinante pode ser o que pra outros é desprezível.
Amará e odiará, mas acredite que cada um faz a seu modo essas elucubrações. Não pense que sou sábia, pequenino, apenas tenho medo que se corte, já que por aqui até os papéis fazem isso nas peles distraídas. Ame por você, não espere do outro o conforto para se deitar. Espero que arrume um leito quente recoberto por panos cheirosos.
O cheiro da sua casa será pelos outros sentido e nunca saberá a quem agradou. Sim, todos se enganam por aqui, sorrirão dizendo maravilhas quando pelos poros esbanjam repugnância, e você, também fará isso, não se assuste.
Aprenderá algumas coisas e descobrirá que outras você sabia fazer antes mesmo de fazer. Sempre estranhei isso, mas sempre senti que algumas primeiras vezes já possuíam prática, sem nem ao menos teoria.
Sentirá que seu corpo foi feito pro amor e o fará sem grandes segredos, assim tão de repente que de certo não notará, talvez apenas depois do susto, talvez apenas depois da carne.
Não gostará de me contar seus segredos, esconderá suas palavras e temerá dizer o que sente, mas espero que isso passe, por que se de fato descobrir quem sou pelo menos para você, quero que me conte.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

.vivaz.


Sinto que tenho corpo feito para esparramar-me com candura e brutalidade. Eu tenho lábios para beber de ti os vinhos e mastigar as pólvoras.

Quem escuta os sons do piano, hoje, sou eu. E quando num labirinto qualquer me encontro ouso gritar teu nome, assim tão em vão, assim tão em vazio.

Um tudo que em pouco causou-me nada. Se me perguntares do ciúme e do ódio responderei não. Não.

Não tenho mais pensamentos em que caibam o desgaste e o russo da camisa preta amarrotada.

.

Hoje matei as dúvidas. E usei a caneta, a que foi tua. Senti no corpo como se tirasse a barrigada e essa fosse posta de lado, verifiquei se nódulos, mas nem infecção.

Baterem em mim os sinos de um não-mais-precisar. Não preciso mais da dor, mesmo que em prazer, almejo apenas as brasas e que a outrem fiquem as fuligens.

Não direi não, mas sem sim imediato.

Viverei o de insensato, mas de vivaz, eu...

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

.Pequenezas.


O mundo era tão pequeno que não cabia nela, sim sei que deve se estranhar, e assim fiz, mas tudo de fato era muito menor que, enfim, pudesse ser.

Perdia-se na minúcias das falas, enquanto só pensava em enlouquecer de fato. Não era possível imaginar uma vida inteira, sem que encontrasse a possibilidade do desatino. Pensou em perguntar como Seu João havia conseguido tal proeza - dolorida, sabia - mas a estrada por si já causava ardilosos canaviais.

Não aprendera a odiar e pelo insensato Deus - seca. Se Lhe concedesse a cura do mal, conceberia a fome, corporificação de suas faltas. Sempre faltou-lhe o ar.

Bebia com goles profanos as lágrimas dissolvidas no café amargo de cada dia. Faltava-lhe o chão, pisava em nevoeiros e sempre só, arrumava sua casa, sempre vazia, cultivava os beijos lilases em seu jardim, primavera ia, primavera vinha e os beijos intactos, quase azuis.

E só queria ser dona de seu destino, mas se engasgava ao notar que não sabia de seu próprio pó.

Como poderia viver sem saber o ponto de chegada, sem notar o ponto de partida?

Ser dona de um mundo maior, ser dona de onde coubesse, enfim.

domingo, 12 de agosto de 2007

Prece




Você não sabe, ainda não sabe.


Quando vira seu rosto, mexe seus olhos e vasculha seus pertences, quando respira mais fundo e sorri feito um menino, observo.


Talvez seja para garantir que nunca esquecerei dos átomos de seu corpo e da vastidão das linhas de sua mão que por tantas vezes tentei ler para desvendar um caminho só meu e seu.


Não encontrei.


Nem sei se há atalhos, armadilhas ou predadores.


Sua voz já não soa como antes, esqueci como era, tenho medo de esquecer, assim, tão silenciosamente.


Faz muito que não sinto o gosto de sua boca quanto em silêncio, andava por ruas pelas quais passávamos distraídos com a vida, mas não conosco. Ainda sei qual o seu gosto?


Acho que nossa última dança se foi e eu ao menos notei, não me lembro.


Em prece, peço para não esquecer o bom homem que já foi.




terça-feira, 31 de julho de 2007

. Espera .


Agora sei o quanto posso deixar abertas as portas, pois do meu jardim cuidei nas noites em que na cama revirei o avesso.


Penteio os cabelos três vezes ao dia e os tranço. Bordo pela tarde os lençóis sob os quais dormirá quando encontrar minha nova morada. Cozinho todos os dias, pois cansado de viagem chegará, quando provavelmente o vento soprará gelado, batendo feito brisa doce nos cabelos que já serão geada, pois de fato, os meus também são.


O rádio de pilha, sem sintonia aparente, fala das notícias de um mundo que não mais me pertence, não vivo mais dessas mentiras escandolosas. Vivo de mim, vivo da sua idéia.


Eu que a vida toda acreditei no amor arrumado e sem traças, agora sei que mesmo em infrutífero lamaçal, favas de algodão eclodem.


Sim.


Mesmo com a desordem, mesmo com a dor e as marcas, eu vi. Eu conversei com anjos, santos e quem sabe com o divino, todos sentados frente a mim garantiram que a preciosidade da vida estava no estourar devastador, não por menos o milho seco transformava-se de maneira assim.


Estouramo-nos, e por bem te amo.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

.


Ensinou-me o amor daquele jeito tão desmedido, sem lençóis, ao chão.

Dançavámos na chuva e carregávamos o prazer através das gotículas. Não tinhámos horas nem porquês.

Era meu bem para fazer amor e os filhos que nem parimos. João, Cecília, Eduardo, Maria, Pedro, Clara, José.

Segredos espalhados pela rede, em cada vão, em cada nesga do pano.

Mas agora não sei onde tudo se escondeu, converso com as mobílias que já nos alojaram, penduro-me no lustre, vasculho nos cantos, afasto as teias de aranhas, abro por inteiro as janelas envernizadas por você na tarde de sábado depois de nos confundirmos na mesa posta de frutas.

E apenas encontro um espelho a dizer que nada mais me cabe, que não fui genuína que a tentação me fez vassala.

Não me culpo, nem duvido que amo por inteiro...

Sei que não será capaz de perdoar, aos seus preceitos sou uma vadia, não mais encoberta por pêlos que tanto acariciou. Agora sente vergonha de meus gemidos nunca gélidos.

Deixo a casa arrumada, a mesa onde sentariam nossos filhos, os telhados com nossos sonhos.

Sou mulher, a sua mulher para todo sempre.



quarta-feira, 11 de julho de 2007

.Tormentas.


Nem sei ao certo o porquê comecei a escrever, se não sei expressar o que sinto.

Acordei e com a mesma camisola só soube rondar pelas casa, procurando espaço onde pudesse me esconder. Esconder-me do que me rouba as horas, o que ingenuamente pensei ter perdido, mas que encontrei em uma gaveta.

Talvez pior seja notar que apesar da pouca poeira e tantos arranhões, ainda estava lá.

Planejei, então, jogar mar adentro, em mangues fétidos, em meio a florestas virgens. Virei as costas, segui, mas quando abri a gaveta lá estava.

E a angústia não passa ...

Tormentas que me enlouquecem.

terça-feira, 10 de julho de 2007




Não sei se ultrapasso uma linha limite contra qualquer invasão imaginária... mas decidi escrever a você.
Sei que não me conhece ao certo, não sabe meu paradeiro nem a cor de minha ternura disfarçada. Não te conheço, também, em pele e alma, mas imagino sua candura amarela e seus ouvidos de pêssego aveludado...
Hoje tive medo, lembrei-me que o mundo é demasiadamente grande e que as músicas são para serem ouvidas, não possuindo forma física para que meus dedos possam tocá-las nem guardá-las em uma caixa azul onde estão as cartas antigas de pessoas tantas... perdidas nas ruas que nunca mais pisei...
Sinto arrepios por não conseguir tecer o tempo, ele é quem faz rodopios em meus dias dando-me sono enquanto o sol faz vida.
Sabe, por tantas vezes sou uma pessoa feia e ranzinza... sou como viúva amargurada, com gosto de remédio velho na saliva. Às vezes pareço ruim e invento cena e diálogo em que as cartadas e trocos sou eu quem dou aos merecedores. Acho minha ironia tímida e ensaiada.
Outras vezes não quero ser o vento que sopra contra estabilidades alicerçadas no que se chama amor. Só queria saber, enfim, o que é isso e onde posso encontrá-lo in natura... você sabe?
Não sei qual a vantagem de creditarem a mim bondade se não a destino para o meu bem...

Ah sim! Hoje desfiz um mistério, sim mistério... talvez não seja dona de segredos. Desvendei há minutos que em mim habita uma moça antiga que gostaria de ter uma máquina de escrever e a inventou, daquelas que apitam ao término da linha, para que voltemos à margem seguinte... e lá as palavras escritas no papel, sejam pretas ou vermelhas jamais voltarão a ser brancas. São como as palavras ditas que nunca voltam ao mundo do “in-falado”, mesmo que delas nada façamos.
Nossa por que me lembrei da moça das anáguas em mim? Não faz sentido eu sei, mas você sabe que no mundo não há nexo algum... há apenas improbabilidades e paixões impensadas...
Termino esse rabisco junto ao fim de mais um dia lilás alaranjado... Desculpe-me pelo atrevimento, se quiser rasgar em pedacinhos miúdos minhas sílabas não me ofenderei, afinal tenho a certeza de que leu até o ponto final e isso me acalma feito banho de lavanda.